sexta-feira, 28 de março de 2014

Modelo de urbanização é um dos responsáveis pelos desastres climáticos no país

Nesta entrevista, Jorge Luiz Barbosa, diretor do Observatório de Favelas, no Rio de Janeiro, analisa os problemas recorrentes causados por temporais em nosso país. Ele afirma que as cidades brasileiras não têm tido um planejamento urbano “digno deste nome” e, em função disso, é freqüente a ocupação de encostas e margens de rios, aterramento de manguezais, canalização de microbacias hidrográficas, cobertura das ruas com asfalto. Diante desse cenário, ele diz ser necessária uma ação de prevenção a acidentes e riscos, e a recuperação de ambientes frágeis. Defende também a ampliação de investimentos em órgãos como a Defesa Civil e a adoção de uma política urbana que reconheça a vida da natureza como condição de existência digna para todos os cidadãos. Rede Mobilizadores - Há quase cem anos, Lima Barreto escrevia sobre os problemas causados pelas chuvas no Rio de Janeiro. Por que ainda hoje continuamos convivendo com problemas semelhantes? R.: Os problemas identificados por Lima Barreto se agravaram, sobretudo pela ocupação densa da cidade em um modelo de urbanização insensível em relação à dinâmica da história natural da natureza. Ocupamos encostas e margens de rios, aterramos manguezais, canalizamos grande parte de microbacias hidrográficas, cobrimos as ruas de asfalto, enfim, a fisionomia urbana imposta à natureza foi destrutiva. Rede Mobilizadores - Na sua avaliação, quais são as principais medidas a serem adotadas para atenuar os efeitos desses eventos climáticos, como desmoronamentos, mortes e pessoas desabrigadas? R.: As medidas exigem um reodernamento urbano que tenha como princípio a recuperação dos espaços construídos, onde a apropriação da natureza provoca situações de vulnerabilidade. Duas ações deverão ser conjuntas: a ação de prevenção a acidentes e riscos, e a ação de recuperação de ambientes frágeis. No caso particular do Rio de Janeiro, a questão mais urgente é a de recepção e escoamento das águas pluviais (fortemente concentradas em períodos do ano) e fluviais (geralmente em “rios subterrâneos”). Rede Mobilizadores - Outro problema recorrente diz respeito às pessoas desabrigadas. Quais os principais problemas enfrentados por elas e quais as possíveis soluções? R.: O desabrigo está relacionado às condições de moradia de muitas famílias. Muitas delas localizadas em encostas e rios já degradados pelos usos urbanos pretéritos. O limite da fragilidade socioambiental desses lugares é atingido, sobretudo, por prolongados dias de chuva. O problema não é, sublinhamos, da natureza, muito menos das famílias pobres da cidade. Mas sim do déficit qualitativo e quantitativo de habitações populares, deixando famílias em situações recorrentes de vulnerabilidade socioambiental. É preciso, portanto, políticas públicas de habitação que efetivem o direito à moradia de qualidade, especialmente para as famílias mais marcadas pela desigualdade social em favelas e periferias. Rede Mobilizadores - Quais as principais falhas no planejamento urbano das cidades brasileiras no que se refere à prevenção dos efeitos de eventos climáticos extremos? Quais medidas devem ser adotadas com urgência? R.: A primeira e maior falha é que de fato não temos planejamento urbano digno deste nome. Vivemos intervenções fragmentadas sob o domínio do capital imobiliário e financeiro, muitas vezes associado ao Estado. Nossas cidades se tornaram mercadorias vendidas ao metro quadrado. O imediatismo do lucro é quem dita o ritmo da produção, do investimento e da distribuição de bens, serviços e equipamentos urbanos e, evidentemente, a quantidade e qualidade dos mesmos. Os efeitos climáticos, geomorfológicos e hídricos só estão em pauta quando geram deseconomias no mercado imobiliário, ou pior: diante de tragédias sociais anunciadas. Rede Mobilizadores - A percepção de risco varia muito em função das crenças, tradições e informações a que as pessoas têm acesso. Diante disso, como orientar as pessoas de forma a que percebam o risco que podem estar correndo? Que instrumentos devem ser utilizados? R.: Acredito que as pessoas percebem e conhecem os riscos. O problema é a impotência de superá-los sem uma política pública de prevenção, mitigação e recuperação de situações de vulnerabilidade socioambiental. Rede Mobilizadores - Na sua avaliação, quais as principais acertos e os principais erros e/ou omissões do poder público no enfrentamento dos efeitos de temporais em todo o país? R.: Há um empenho permanente de determinados órgãos estatais como a Defesa Civil no sentido de construir um enfrentamento efetivo aos efeitos dos temporais. Houve, historicamente, um baixo investimento em órgãos especializados, a exemplo da própria Defesa Civil, daí ainda estarmos em uma situação de baixa capacidade de reposta aos eventos e aos desastres socioambientais, tanto em termos metodológicos como operacionais. Além da ampliação de investimentos em órgãos diretamente ligados ao tema, se faz necessária uma política urbana que reconheça a vida da natureza como condição de existência digna para todos os cidadãos. Entrevista do Eixo de Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidades Concedida à: Eliane Araujo Editada por: Sílvia Sousa Fonte: Autor: http://www.mobilizadores.org.br/coep/Publico/consultarConteudoGrupo.aspx?TP=V&CODIGO=C2014231023925&GRUPO_ID=15